Eu quis escrever sobre o primeiro fim de semana do
último ano dos “inta”. Eu pensei em escrever sobre o primeiro almoço de família
dos 39 anos. Eu quase escrevi sobre o segundo casamento de meu pai, exatamente
40 anos depois do primeiro.
Eu deveria escrever sobre os primeiros dias de aula
do 3º. ano, com alunos, que, pela primeira vez, desconheço totalmente, já que
não mais sou professora do 1º. ou do 2º. ano. Eu poderia ter escrito sobre uma
oficina ministrada por um admirável colega “profepesquisador”, momento raro em
que toda a equipe de professores de português pudemos trocar ideias e
experiências sobre nossa prática, angústias e futuro.
Eu me imaginei escrevendo sobre a primeira (que
seja a última!) botinha de gesso do meu sobrinho e minha crise por não ter
conseguido vê-lo, sufocada que estava (estou?) pelo trabalho.
Eu precisava escrever sobre os desrespeitos que
sofri, neste plural estranho como foram as situações e talvez mais ainda
precisasse escrever sobre como lido com as desculpas (sou boba por aceitá-las?).
Eu desejei escrever sobre o carnaval na montanha e
meu banho de cachoeira há muito adiado. Eu ainda quero escrever sobre as
amizades novas e antigas, mas que igualmente me pressionam, intimam e ameaçam
por não terem, como quereriam, minha companhia.
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Vista do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo |
Eu ainda posso escrever sobre o dia de hoje, uma
pausa – mesmo forçada – na lufa-lufa da rotina do trabalho para, com três
companheiras de magistério, revisitar Mário de Andrade em sua Pauliceia muito
mais desvairada.
Eu ainda preciso escrever uma linha por dia não
destinada apenas a enviar imêis, produzir provas, listar itens que se acumulam
sem serem “ticados” ou fazer anotações – muito esparsas – para a dissertação de
mestrado.
Eu ainda vou escrever
sobre meu medo de um dia acordar e, não me lembrando mais de nada, não ter quem
me leia minhas memórias ou, bicho-papão maior, não ter registro de minhas lembranças.