quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Sangue O-

                 (Para JI e todos os seres amáveis)

Se eu pudesse, abriria meu coração
Com a precisão do bisturi
Para extrair a porção suficiente de amor
Que enxertaria no seu corpo
No lugar exato em que suas
artérias e veias e válvulas e ventrículos e átrios
se entendessem
Tretassem com seu cérebro
Nutrissem seu peito
E fizessem você despertar
Para o seu amor por você.

Mas não tenho esse poder.
E talvez o lance seja mesmo não ter!
Posso te chamar pra um café
Posso te fazer um bolo
Posso escrever um poema bobo, com propositais erros de gramática
Posso caminhar contigo no parque
Posso admirar sua beleza
Posso te beijar se a vontade for mútua
Posso apenas te ouvir,
Ouvir seu silêncio,
Abraçar o amor
que em você não vingou. Ainda.

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Doente



Tem doente
Que não é de gripe
Nem câncer
Nem depressão.

Tem doente do coração.
Não o coração com válvulas, átrios, ventrículos
O coração figurado: amargo.

Tem doente da cabeça.
Não a mente
Nem o psico ou o lógico
Pois que loucura se lauda
Tem remédio ou aceitação.
A cabeça transtornada: antiempática.

Tem doente da alma.
Não a filosófica
Nem a religiosa
Pois que (se) buscam.
A alma ausente: cruel.

Tem doente das mãos.
Não o tato
Nem a circulação
Nem o polegar opositor.
A mão dominante: do poder.

Tem doente morrendo
Todo dia.
Tem doente matando
Todo dia.
Com ou sem causa,
De um ou de outro,
Uma só consequência.

Tem doente
todo dia.
Tem cura
algum dia.

domingo, 31 de março de 2019

Céu urbano


Fios de energia
Elétrica
Acima de nossas cabeças
Fora do alcance das mãos

Azul
Divino
Acima de nossas cabeças
Transborda
A plenitude do peito.

31-03-2019, para J.A.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Hoje

O que sonhavas aos 6 anos, preta?

Hoje é um bom dia
Para estar viva

Para perceber que estou viva
Para agradecer por estar viva
Para lutar pra continuar viva

Talvez não seja um bom dia
Para viver
Com consciência
               do mundo
               das coisas
               das gentes
               dos deveres
               dos direitos

Mas indomável e sedutora
A vida me toma e me basta.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Tranças


Meu crespo grisalho farto
As vozes das minhas de antes
Na minha boca de hoje

As histórias de ontem
Agora nas mãos retintas dela
A trançadeira

Eu velha, ela jovem
Em igual mapa capilar
Que afronta,
quando só se queria brincar.

Quem nos quer trancadas
Não sabe que trançadas
Bastamos
Tais coroas brilhantes ao sol
Reluzentes às luas.

Baobás tocando os céus
Raízes profundas.

Sementes a vingar.