terça-feira, 25 de junho de 2013

Figuraças

“Hoje eu acordei, olhei a vida e me espantei. Eu tenho mais de vinte anos, eu tenho mais de mil perguntas sem resposta”. Se me lembro dessa música é porque tenho bem mais de vinte anos. Quase quase o dobro. E face aos últimos 189 dias de “inta”, continuo me espantando com a vida, talvez por acreditar que, quando eu desencantar, não estarei mais aqui. 2013 tem se afigurado ainda mais emblemático, simbólico.
Afigurado. Simbólico. É isso! Nos últimos tempos, tenho lido muito, especialmente as pessoas: as que escrevem, por seus artigos, poemas, livros e posts facebuquianos que, ainda dizem, não devem ser levados a sério; as outras, por suas falas e atos. E eu as leio como figuras de linguagem.
Algumas são antíteses, para as quais em um dia os manifestantes são vândalos, no outro são ativistas: os opostos coexistem, em alternância (depende do que é mais conveniente a elas, talvez?).
Outras são paradoxos: seu modus operandi é defender-se atacando, amar destruindo, auxiliar cobrando, respeitar ofendendo, orar ignorando, exaltar desmerecendo, sorrir invejando, educar agredindo.
As hipérboles são as que se destemperam e perdem toda a classe e a razão em intermináveis ou calorosas – absurdas? – discussões pelo facebook. Ou ainda as que choram copiosamente com a constatação de que não têm – nunca terão! – o mundo “perfeito” vendido nas propagandas de margarina.
As silepses ocupam importantes cargos de comando, público e privado: a falta de concordância é explícita, mas elas tentam nos convencer de que o importante, o que vale, é o que está implícito.
Há ainda as metáforas: você nunca entende de imediato o que elas significam, mas é fisgado – às vezes sem perceber – pela magia contida em suas definições. E magia, mesmo para os negros, pode ser branca ou negra.
As gradações estão por aí aos montes. Umas começam na igreja e chegam à Comissão de Direitos Humanos, transformando impropérios (que não podem ser, por favor, religiosos, pois Cristo não é isso!) em liberdade de expressão, projeto de “cura gay” em proteção ao trabalho do psicólogo (oi??). Outras há que começam numa discussão – desimportante, apregoam – sobre brinquedos e a questão de gênero na educação infantil para desembocar, “filosoficamente”, na grotesca imagem das “bonecas de quatro”.
Porém as mais intrigantes (perigosas?) são as ironias: elas nunca, nunca são o que parecem ser, são sempre o oposto. Não está nelas o problema, que as melhores são, inclusive, refinadíssimas, mas em nós que não as percebemos e as acolhemos ou rechaçamos sem efetivamente tê-las compreendido.

E para quem acha que estudar figuras de linguagem é meramente identificá-las, um alerta fundamental de qualquer teoria linguística: de nada adianta classificar uma figura de linguagem se não se compreenderem os efeitos de sentido que ela provoca. Leiam-me, nesse ponto, literalmente.   

6 comentários:

  1. Sem dúvida, as ironias são as mais perigosas e traiçoeiras! Quanta decepção já me causou descobrir que alguém não era o que parecia ser. Mas, passada a mágoa, aprendi a lidar com isso. É bom para que a gente cresça, amadureça e aprenda a viver melhor, eu acho.
    Todos os dias agradeço a oportunidade que uma pós-graduação me deu de conhecer você melhor!
    Beijocas

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  2. Catita, lendo seu texto, foi impossível não lembrar da música What's Up, da banda 4 no blondes. Linda letra que reforça suas ótimas palavras. Segue o link:http://www.vagalume.com.br/4-non-blondes/whats-up-traducao.html

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  3. Obrigada por suas palavras sempre tão incentivadoras, Karla!
    Faço o mesmo agradecimento todos os dias!
    bj

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  4. Ave, Ever, que sonora conexão!
    Muito obrigada!
    bj

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  5. Obrigada, "unknown" (eu o conheço?)
    bj

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