quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Miacouteando o cordis

28 de outubro é Dia Nacional do Livro. Meu feito em 2012: terminei uma leitura iniciada em 2009. Poderia justificar que meu tempo para leitura por prazer é negligenciado pela leitura “técnica”, “por trabalho”, mas bastam as palavras de uma amiga: “Não tem tempo pra nada e ainda inventa de criar blog, vai entender!”. Em defesa própria: urge contar histórias, aliviar minha mente e espírito das palavras-ideia que surgem, pavoneiam-se, acomodam-se, entulham-se e quasesquecem-me.
     Numa de minhas adoráveis idas à livraria, deparei-me com O fio das missangas, de Mia Couto e logo vi que o livro tinha a cara de Ig*. Há tempos já havia me dado conta desse meu “particular”: eu vejo um livro e imediatamente penso em alguém que o adoraria ou que “deveria” lê-lo. Porém, ao invés de eu presentear essa pessoa, acabo levando o livro para minha estante (desde os 24, quando saí da casa paterna, tenho minha própria estante!). É o que eu chamo de o-meu-livro-dos-outros. Tenho-os aos montes...
     Conhecia pouco Mia Couto, apenas um romance indicado em uma disciplina na FFLCH e outro que ganhei de aniversário. O primeiro, Terra Sonâmbula, xerox perdido nas mudanças (ou no machimbombo?), me transportou para um mundo diferente e ao mesmo tempo tão-me raiz. O segundo, Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, suscitou-me questões atávicas: “A cicatriz tão longe de uma ferida tão dentro: a ausente permanência de quem morreu.” Se sinto Mia Couto dos escritores que mais aprecio, por que não sou sua leitora voraz? Precisaria me consultar com Nirato Lebusc, letramante que, me contapiaram, sabe-lhe todas as linhas e até aqueles olhos claros. Mas quero essa conversa numa varanda, com bolinhos e cheiro de café adentrando o coração rosiano... Tenho cá em mim que voracidade não combina com extasiamento.
Grande hiato – injustificável – separou-me dos contos, as missangas. Para minimizar minha possessividade literária, decidi ler com Ig, mas mal passamos de “As três irmãs” (“Olhemos as meninas, uma por uma, espreitemos o seu silencioso e adiado ser”): como um azougue, diriam os antigos, Ig entrou, inverteu, saiu. Assim, sem preposição alguma. E também assim, fio partido, quedaram-se as missangas.
É clichê, mas verdade, que os livros sempre foram meu refúgio e, dado tempo ao tempo, pude me encantar com as metamorfoses de “A infinita fiadeira” (“Não faço teias por instinto. (...) Faço por arte.”), me injustiçar com o destino de “O mendigo Sexta-feira jogando no Mundial” ou me ambiguidizer com o “Enterro televisivo”. Mas dentre tantas, duas missangas, pela mesma razão, se fossem as únicas, já teriam me valido por todas as palavras e pelos três anos de dormência. “A carta de Ronaldinho” me fez voltar a ler para alguém, Marfely Loetha, desamante de futebol: “Uns aprendem a andar. Outros aprendem a cair. Conforme o chão de um é feito para o futuro e o de outro é rabiscado para sobrevivência”. Sem conseguir parar de chorar, mesmo após três leituras, “O menino que escrevia versos” reorganizou minha bússola, este livro meu é de Soarise Mansen e para todos: ¾ Dói-te alguma coisa? ¾ Dói-me a vida, doutor”.  
* Tirante as pessoas públicas, pois que públicas!, e as crianças, por serem mágicas, todas as outras pessoas têm aqui seu nome ficcionado.

2 comentários:

  1. Muito bom, Cá!
    Agora entendi seu "momento" ontem!
    Continue nos proporcionando esses momentos!
    Beijo

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