terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Não me durmas

Eu não quero dormir contigo hoje, amor. Não quero teu corpo, teu calor, teus afagos. Não quero tuas palavras – poucas, mas brandas -, nem teu semblante acolhedor, tampouco tua óbvia constatação de “vai passar”. Não quero tua conversa sobre outro assunto para me tranquilizar. Não quero nem o riso, nem o gozo. Hoje não quero o desvio, amor.
Queria não ter de trabalhar amanhã. Não ter de honrar meus compromissos. Não ter compromissos. Não ter precisado daquele açúcar de agora há pouco, para apenas adiar a explosão aqui de dentro, que não poderia ser pública (e por que não, amor?). Queria não ter filtro, papas na língua ou discernimento.
Quero hoje a história da humanidade, sua pior parte. Quero os maus pensamentos, os piores sentimentos. Quero essa dor, amor, dos livros, na memória reavivada, no peito angustiado, no coração dilacerado. Se eu a sentir a noite toda, será que ela acaba, amor? Se eu pensar nela, só nela, será que a aceito, amor? Será que ela me toma? Será que enfim encontro minha crueldade, amor? Será que enfim fico igual a meu irmão mau? Será que enfim a perplexidade deixa de existir em mim, amor?
Não quero dormir. Pois se durmo, sonho. Depois que sonho, acordo. Nada ou quase nada lembro. E o dia recomeça, como sempre, mais igual que diferente. E a rotina, amiga, me leva para o necessário, para o que basta, para a dor cotidiana. Não esta que tenho agora, amor, esta que quero agora, esta de que preciso agora.

Quero só por hoje não ter esperança. Quero só por hoje desacreditar no humano. Quero só por hoje não ter amor. Quero só por hoje não saber de Deus. Quero só por hoje ser nada. Quero só por hoje não ser gente. Quero só por hoje o vazio. O meu vazio. Posso, amor? 

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