Olha ela, ultrapassou a marca de
600 curtidas em sua página do Facebook
sobre seu blog! Clap clap clap! Mais
pessoas estão lendo o que ela escreve. Óh! De que adianta essa “conquista”, se
dia após dia cada notícia é um tapa na cara, um soco no estômago, um chute nas
costas? Dia após dia um fôlego aos “-ismos” que ela ataca, um
sufocamento aos “-ismos” e “-dades” que defende? De que adiantam suas aulas, querida
agora estrela Jeni Turazza, para discernir o relato da ficção, se tudo,
absolutamente tudo, soa absurdez?
Há pouco mais de um ano, a
escritora se encontra em um estado de transformação profunda naquilo que sente
como ser escrivinhadora; no que a inspira a escrivinhar, seja o amor ou a dor,
o particular ou o coletivo; naquilo de que escolhe participar, sarau, slam,
oficina de escrita, de criação. De que adianta tal mergulho, se “Após protesto,
mostra com temática LGBT em Porto Alegre é cancelada”? Se “Peça com transexual em papel de Jesus é
cancelada após decisão judicial”? Se “Flip 2017 ousa e acerta
ao apostar em maior diversidade”? Diversidade não é aposta, é (r)existência, e
chega de chamar de ousadia o que é urgência. A arte serve para quê? E a justiça
está no fosso.
Nos últimos anos, a professora vem aprimorando seus
estudos acadêmicos, repensando sua prática de sala de aula, tarefa constante de
seus 25 anos de formada no antigo magistério, aprimorando as pesquisas na área
da educação, da linguagem e afins. Conversa sempre com seus colegas recém-chegados
à profissão, trocando experiências, perspectivas, esperanças. De que adianta,
se “Contêiner vira sala de aula na URFJ, melhor universidade do país”? Se “Rocinha em guerra tem operação e mais de 3000 alunos sem aula; ao menos
4 suspeitos morreram”? Se “Professora é agredida por aluno em sala de
aula”? Se “USP abre concurso para professores temporários com salário de R$25
por hora”? A educação serve para quê? E a justiça segue no esgoto.
Há mais de quatro décadas ela nasceu negra e para
ter seus direitos garantidos, bem como de seus irmãos e irmãs, luta todos os
dias, de todas as formas que tem e consegue e forja, desde sua existência, que
deveria ser simples, até suas palavras faladas e escritas, suas ações e mais
recentemente sua prática de dança afro, nada de afrofitness, Regina Santos, mas resgate da ancestralidade de seu
povo, (re)descoberta de sua corporeidade, respeito à religiosidade de todos,
bem como ao ateísmo. De que adianta, se “Vítima de racismo, senegalês é
agredido no centro de Caxias do Sul”? Se “Jovem negro denuncia racismo sofrido
em supermercado no Santa Tereza”? Se “Atos em Charlottesville mostram a cara do
ódio racial americano”? Se “Advogado oferece banana a funcionário de empresa
aérea e é preso em Belo Horizonte”? Se “Criminosos obrigam mãe de santo a
destruir próprio terreiro em Nova Iguaçu”? Se “De novo o debate sobre racismo
no futebol vira papo de rivalidade clubista”? Mas falar sobre racismo é mimimi,
é vitimismo, porque a miscigenação é uma coisa linda desse Brasil brasileiro.
Para que serve o movimento negro? E a justiça permanece na vala.
Sempre entendeu seu papel de mulher na sociedade,
mulher negra e pobre, como a lutadora incessante. (De novo, Catita? Não cansa
não de ficar brigando?) Pode parecer de hoje que fala em feminismo, mais uma
modinha, mas é feminista desde o espasmo causado na reunião de família, quando
no meio das senhorinhas todas falou, da altura de seus onze-doze anos, da casa
que teria e da vida que queria, autônoma, independente de marido. Nunca esquece
o amarelo da página da revista que lhe inspirou o desejo, o zumbido das
senhoras a enrouquecer seus argumentos, a perplexidade ante a tia-avó, sempre
solteira e independente, mas que “não lhe servia de exemplo”. Compartilha hoje
sua experiência com adolescentes do coletivo feminista do colégio em que
leciona, de maioria não negra, de maioria não pobre (o dinheiro não é um
problema, mas o que se faz com e por ele), meninas que amam suas mães, avós,
tias, professoras, mas se querem mulheres mais fortes; aprendem com Simone de
Beauvoir, mas vão além, e aprendem também com Laudelina de Campos Melo; trouxeram
à escola para falar com todas e todos sobre feminismo a Djamila Ribeiro, uma outra preta e
acadêmica, adjetivos raramente juntos numa mulher só; têm consciência de seus
privilégios, querem que todos os lugares de fala sejam ocupados. De que adianta
tanta consciência, se “Estudante sofre estupro coletivo em Peruíbe”? Se em “BBB
e A Fazenda: a mídia enaltece agressores de mulheres”? Se “Aeromoças russas têm
cortes nos salários por serem gordas demais”? Se “Taxa de assassinato de mulheres
negras cresce 22% em 10 anos”? Se “Assédio é problema mais grave que
superlotação e demora de ônibus”? Se “Pai espanca filha que perdeu virgindade e
é absolvido”? Para que servem os feminismos? E a justiça continua no buraco.
Não cresceu ela num ambiente esclarecido, ao
contrário, sexo sempre foi um tabu, sexualidades, no plural então... safadezas.
Mas saiu desse obscurantismo, aleluia!, quando compreendeu a sua sexualidade e
vem dia a dia compreendendo as outras tantas, as quais defende, pelas quais
também luta. Atua junto a seus (ex)alunos e colegas professores para que a
diversidade seja respeitada, além do uso de um filtro temporário de arco-íris
na rede social. Discute com sua amada - de forma saudável, embora dorida –,
após o santo café da manhã dominical, os embates entre militância e medo, entre
visibilidade e exposição; procuram achar juntas um caminho de atendimento às
demandas de ambas, de acolhimento às inseguranças e decisões de cada uma, no
tempo de cada uma. De que adianta tanto esclarecimento, tanto amor, se “Os desafios
de uma vereadora jovem, mulher e bissexual na Câmara Municipal de São Paulo”
vão de olhares tortos a ameaças, sofridos lá dentro da casa da lei? Se “Funcionária
transexual é demitida após denunciar agressão e discriminação no DF”? Se “Homem
transexual é encontrado morto após ter casa invadida”? Se “Justiça concede liminar
que permite tratar homossexualidade como doença”? Se “Visibilidade lésbica
ainda é desafio para garantia de acesso a direitos”? E a justiça queda-se na
cova.
Como escolher um só assunto para escrever a
crônica, Antonio Prata? Se tudo isso e mais me afeta e atinge sem cessar, sem
direito a trégua? E esse textão, que vão acusar de panfleto, de manifesto sem
quase nada além de grito? Quase nada além de um amontoado de manchetes de menos
de cinco meses entre si, colhidas a esmo de um amontoado muito maior que nem chegou
a ser noticiado? Chamo de crônica muito menos pelo aspecto literário que pelo
estado revelado e constante de mim e do mundo. De que adianta acordar todos os
dias, saber ler, conseguir ouvir, locomover-me para o trabalho, tentar vivenciar
as culturas, lutar, gritar, amar, se nem capacidade de terminar esse texto sem evocar
os perturbadores versos de Adelaide Ivánova eu tenho?
“De que adiantaria
meu silêncio?
De quem estaria meu
silêncio a serviço?”
Flip 2017 - Fruto estranho: Adelaide Ivánova
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