quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Voz

Não sei se a chuva, o cansaço ou o frio
Não há data comemorativa ou pesarosa
Não sei se a reflexão do cotidiano, a perplexidade com a política, a instabilidade da vida
Não sei se o curso que queria fazer, se a crônica que estava sendo gerada na cabeça, se as provas já em fila a corrigir, se a notícia da exposição comemorativa e gratuita do Museu Afro-Brasil, se a capulana nova - na combinação marrom e amarelo que ela amava – que vai virar uma saia quando eu tiver tempo pra costurar

Só sei que hoje eu ouvi a voz da Tina.

Não essa voz que a gente constrói no imaginário
Para fixar na memória aquele ente querido
Não aquela voz que a gente cria ao ver as fotos antigas
Não as palavras dela que ressoam em mim e espalho por aí para mantê-la como viva
Não o ensinamento dela que reconheço em mim ao estar com o Cauã ou a Rayane, a continuação da nossa família pelos ventres fraternos

Foi a voz da Tina que ouvi hoje.
Nítida.
Por nanomilésimos de segundos.
No meu ouvido.
Dentro da minha cabeça.

Eu queria saber a razão.
Para conseguir fazer isso de novo.
Será que fui eu que fiz?
Queria esse poder.
Precisava.

Seria o mantra (ponto?) do feminismo negro?
“Não estou sozinha”.
“Trago comigo todas as minhas ancestrais.”
A Tina foi a preta velha, a sábia matriarca marcada em mim.

O que falou pra mim?
Sua voz durou tão pouco hoje, que não consegui gravar as palavras, Tina.
Sabe quando eu acordava e não conseguia contar o sonho, ele me escapava, mas a sensação dele ficava?
Lembra, Tina? Assim foi sua voz agora. Depois de tantos anos...
E foi tão inesperado
Não consegui segurar na minha cabeça
Não consegui ouvir de novo.

Não consegui.

Eu sempre falo com você, desculpe, com a senhora, mas é um monólogo.
No máximo um diálogo imaginado.
Mas hoje foi sua voz mesmo, sabe, Tina?

Nítida.
Do meu lado.
Com seu sorriso.

Sua voz, Tina.

E meu choro escondido
Porque estou trabalhando, Tina.

Tina com o Sandro no colo, eu me escorando e a Fabiana na frente. Como eu me lembro desse vestido...




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