Não sei se a
chuva, o cansaço ou o frio
Não há data
comemorativa ou pesarosa
Não sei se a
reflexão do cotidiano, a perplexidade com a política, a instabilidade da vida
Não sei se o
curso que queria fazer, se a crônica que estava sendo gerada na cabeça, se as provas
já em fila a corrigir, se a notícia da exposição comemorativa e gratuita do
Museu Afro-Brasil, se a capulana nova - na combinação marrom e amarelo que ela
amava – que vai virar uma saia quando eu tiver tempo pra costurar
Só sei que
hoje eu ouvi a voz da Tina.
Não essa voz
que a gente constrói no imaginário
Para fixar na
memória aquele ente querido
Não aquela voz
que a gente cria ao ver as fotos antigas
Não as palavras
dela que ressoam em mim e espalho por aí para mantê-la como viva
Não o ensinamento
dela que reconheço em mim ao estar com o Cauã ou a Rayane, a continuação da
nossa família pelos ventres fraternos
Foi a voz da
Tina que ouvi hoje.
Nítida.
Por
nanomilésimos de segundos.
No meu ouvido.
Dentro da
minha cabeça.
Eu queria saber
a razão.
Para conseguir
fazer isso de novo.
Será que fui
eu que fiz?
Queria esse
poder.
Precisava.
Seria o mantra
(ponto?) do feminismo negro?
“Não estou
sozinha”.
“Trago comigo
todas as minhas ancestrais.”
A Tina foi a
preta velha, a sábia matriarca marcada em mim.
O que falou
pra mim?
Sua voz durou
tão pouco hoje, que não consegui gravar as palavras, Tina.
Sabe quando eu
acordava e não conseguia contar o sonho, ele me escapava, mas a sensação dele
ficava?
Lembra, Tina?
Assim foi sua voz agora. Depois de tantos anos...
E foi tão
inesperado
Não consegui
segurar na minha cabeça
Não consegui
ouvir de novo.
Não consegui.
Eu sempre falo
com você, desculpe, com a senhora, mas é um monólogo.
No máximo um
diálogo imaginado.
Mas hoje foi
sua voz mesmo, sabe, Tina?
Nítida.
Do meu lado.
Com seu
sorriso.
Sua voz, Tina.
E meu choro
escondido
Porque estou
trabalhando, Tina.
Tina com o Sandro no colo, eu me escorando e a Fabiana na frente. Como eu me lembro desse vestido... |
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