Não faço poema
Porque um dia
me disseram,
Me medindo de
cima a baixo,
Que esse tipo
de coisa não era para mim.
Quem era eu?
Não escrevo
poema
Porque um dia
me revelaram
Que tudo o de
mais belo que eu podê-lo-ia pensar escrever já o fora,
Assim, com essa
pedante mesóclise
E esse
estranho pretérito mais que perfeito,
Ambos indecifráveis
para aquela garota de doze anos.
Quem era eu?
Não crio poema
Porque um dia
me riram feroz
Que poeta
mulher é poeta menor, quicá nem poeta.
Quantas eu
conhecia?
A ingenuidade
confundia meu raciocínio?
Não me
enxergava?
As listas e
nomes sempre foram de autores homens.
Quem era eu?
Não formulo
poema
Porque um dia
me segredaram
Que até eu
conseguir falar algo de interessante
Que não fosse
minha vidinha de mulher, preta, pobre
E meus pequenos
dramas,
Talvez eu já
estivesse morta.
Que
experiências eu teria?
Que grandes
feitos eu realizaria?
Quem era eu?
Não invento
poema
Porque um dia
me desafiaram
A que se eu
conseguisse botar comida na mesa
Já deveria
levantar as mãos pro céu
E agradecer.
Que eu me
conformasse em ter um trabalho,
Uma vida digna
E parasse com
devaneios.
Quem era eu?
Não componho
poema
Porque um dia
tentaram me convencer
De que
literatura só é assim chamada
Se não for
compreendida
Se não for
acessível à massa
Se estiver nos
programas da academia
Se estiver nas
grandes editoras.
O resto não
era literatura.
O resto era
gritaria ou choradeira.
O resto era só
manifesto.
Quem era eu?
Não gero poema
Porque um dia
me sentenciaram
A que fecundo
em mim fosse apenas meu ventre
Minha função romanticamente
mais bela
E talvez única
A ser
reconhecida como produtiva.
Com meu útero
doente de mim extirpado,
Coitada!
Desnecessária. Inútil.
Quem era eu?
O primeiro
poema brotou em mim
Rompendo cada
um dos sete palmos
De não.
E eu fui e sou
Quem eu quero ser.
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