sexta-feira, 28 de abril de 2017

Pelos sete palmos

Não faço poema
Porque um dia me disseram,
Me medindo de cima a baixo,
Que esse tipo de coisa não era para mim.
Quem era eu?

Não escrevo poema
Porque um dia me revelaram
Que tudo o de mais belo que eu podê-lo-ia pensar escrever já o fora,
Assim, com essa pedante mesóclise
E esse estranho pretérito mais que perfeito,
Ambos indecifráveis para aquela garota de doze anos.
Quem era eu?

Não crio poema
Porque um dia me riram feroz
Que poeta mulher é poeta menor, quicá nem poeta.
Quantas eu conhecia?
A ingenuidade confundia meu raciocínio?
Não me enxergava?
As listas e nomes sempre foram de autores homens.
Quem era eu?

Não formulo poema
Porque um dia me segredaram
Que até eu conseguir falar algo de interessante
Que não fosse minha vidinha de mulher, preta, pobre
E meus pequenos dramas,
Talvez eu já estivesse morta.
Que experiências eu teria?
Que grandes feitos eu realizaria?
Quem era eu?

Não invento poema
Porque um dia me desafiaram
A que se eu conseguisse botar comida na mesa
Já deveria levantar as mãos pro céu
E agradecer.
Que eu me conformasse em ter um trabalho,
Uma vida digna
E parasse com devaneios.
Quem era eu?

Não componho poema
Porque um dia tentaram me convencer
De que literatura só é assim chamada
Se não for compreendida
Se não for acessível à massa
Se estiver nos programas da academia
Se estiver nas grandes editoras.
O resto não era literatura.
O resto era gritaria ou choradeira.
O resto era só manifesto.
Quem era eu?

Não gero poema
Porque um dia me sentenciaram
A que fecundo em mim fosse apenas meu ventre
Minha função romanticamente mais bela
E talvez única
A ser reconhecida como produtiva.
Com meu útero doente de mim extirpado,
Coitada! Desnecessária. Inútil.
Quem era eu?

O primeiro poema brotou em mim
Rompendo cada um dos sete palmos
De não.
E eu fui e sou
Quem eu quero ser.

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